sexta-feira, 15 de março de 2013

São Tomás de Aquino sobre a prática da prostituição


Vincent M. Dever

Nesse artigo, eu discutirei a visão da prostituição por Tomás de Aquino e vários assuntos relacionados a esse tópico. A principal questão que surge concerne a sua posição sobre a tolerância social à prostituição, dada sua forte visão sobre moralidade. A posição de São Tomás baseia-se em sua compreensão da lei natural e seu relacionamento ao estatuto civil. Sua posição influenciou gerações posteriores e, curiosamente, tem um certo caráter contemporâneo. Rossiaud sustenta que os dois maiores trabalhos que mudaram o pensamento a respeito da prostituição para a tolerância foram a segunda parte do Romance da Rosa e a Summa Theologica de Tomás de Aquino. [1] Na luz de uma tal recomendação, esse estudo da posição de São Tomás sobre a prática da prostituição será focado antes de tudo na Summa.

A maioria das referências de São Tomás à prostituição ocorrem na segunda parte da Summa Theologica. Não há qualquer tratamento focalizado como um tratado separado. Referências à prostituição estão dispersas e ocorrem no contexto de discussões amplas de outros tópicos, em muitos casos como exemplos para ilustrar um outro ponto. A única análise sustentada da prostituição e relacionada a tópicos comuns ocorre na questão concernente aos pecados da luxúria que surgem no amplo contexto das virtudes cardeais da temperança.

Luxúria e Moralidade da Prostituição

Na questão 153 da segunda parte da Summa, Tomás de Aquino discute a natureza do vício da luxúria. Primeiro, ele registra que embora esse vício se focaliza na gratificação física, "aplica-se principalmente aos prazeres venéreos." [2] Sua razão é que prazeres venéreos são "mais do que qualquer coisa que opera maior devastação na mente de um homem" [3] e que eles, mais do que tudo, "corrompem a mente humana." [4] Assim, pode-se ter excessivo prazer físico de outra forma como comendo e bebendo bebidas alcoólicas, mas essas atividades não são atos de luxúria. Da mesma forma, pode-se falar de um "desejo" por poder e outros objetos, mas trata-se de usar "desejo" em um sentido extensivo de excessivo desejo e não no sentido estrito. [5]

Conquanto Tomás de Aquino limita o vício da luxúria aos prazeres venéreos, qualifica sua posição negando que todo ato de intercurso sexual seja pecado. Um ato pecaminoso é um ato humano que é contrário à ordem da razão, que em si mesma requer que uma pessoa, pelo comando da razão use certas coisas de uma maneira apropriada de acordo com o fim a qual elas são adaptadas, pelo propósito de algo verdadeiramente bom. [6] Ele registra que o fim dos atos venéreos é a procriação e que é dirigida rumo ao bem da "preservação da humanidade." [7] Assim como comer comida não é pecado se conduzida de uma forma que preserva o bem estar do corpo, assim, atos venéreos não são um pecado se executados de uma forma que preserve a natureza das espécies humanas. O prazer, ou o que Tomás de Aquino chama de "prazer excedente," associado ao sexo não é contrário à virtude se o ato está de acordo com a razão. [8] Uma atividade de acordo com a razão não necessariamente requer um processo não afetado pela emoção, na medida em que atividade racional possa ser "algumas vezes interrompida por algo que é feito de acordo com a razão," caso contrário, dormir violaria a virtude. [9]

O pecado da luxúria que ocorre em relação ao prazer venéreo não resulta da natureza do intercurso sexual, mas, particularmente, por exceder seus limites racionais. Ele menciona que há a outra relação excessiva ao prazer venéreo em termos de aversão pelo sexo, que, em concordância com Aristóteles, São Tomás chama de "insensibilidade." Ele declara que essa aversão pode ser de tal forma que não se pague a dívida marital. [10] Porém, ele imediatamente registra que esse extremo oposto à luxúria "não é encontrado na maioria, na medida em que homens são mais inclinados ao prazer." [11]

Assim, o vício da luxúria, de acordo com o qual seres humanos excedem a ordem da razão na busca do prazer venéreo, é um pecado mortal. Luxúria é também um pecado capital, de acordo com São Tomás. Um pecado capital é um pecado tendo um tal fim desejável que induz a pessoa a cometer outros pecados que se originam dele. Ele menciona que um fim é mais desejável por "ter uma das condições da felicidade, que é desejável pela sua completa natureza." [12] Uma condição de felicidade é o prazer. [13] Assim, o fim do prazer venéreo da luxúria tem uma tremenda qualidade de desejável. São Tomás também registra que tal prazer é desejável por causa de sua intensidade e porque nós temos uma afinidade natural por ele. [14]

Esses outros pecados que se originam da luxúria são chamados filhos da luxúria que não são tipos de atos luxuriosos, mas pecados derivados. Por afetar o poder humano de desejo concupiscível, o vício da luxúria influencia outros poderes humanos por impedir ou desordenar suas atividades. [15] Os outros poderes que a luxúria influencia são a razão e a vontade as quais São Tomás registra que "são mais dolorosamente desordenados pela luxúria." [16] Há quatro atividades desordenadas ou perturbadoras para cada poder humano, para um total de oito filhos da luxúria. Razão, ele aponta, tem quatro atividades concernindo a ação humana e assim há quatro atividades desordenadas que a luxúria produz por impedir processos mentais normais. Primeiro, há compreensão onde a razão "toma algum fim como bom," [17] significando bom em algum sentido objetivo e não meramente um bem aparente. Luxúria impede sua apreensão da bondade ao ponto que há "cegueira na mente." [18] Seguindo pela compreensão de um fim é a deliberação a respeito dos meios para um fim. Essa segunda atividade mental é atrapalhada por "precipitação" que São Tomás define como uma "ausência de conselho". [19] O terceiro obstáculo está no nível de julgamento concernindo o que se deveria fazer e é chamado "negligência," enquanto a quarta atividade é chamada de "inconstância" pela qual o comando da razão faz algo que não se tem atenção. [20]

As outras quatro filhas da luxúria resultam da desordem das duas atividades da vontade. Uma atividade é o desejo para o fim. Quando essa vontade age é desordenada a tal ponto que surge "amor-próprio" na relação do desejo de alguém por prazer e "ódio a Deus" porque Deus proíbe o prazer de alguém. [21] A outra atividade é o desejo por coisas conexas ao prazer venéreo. Isso envolve um "amor por esse mundo" na medida em que o desejo de alguém é limitado a esse mundo e um "desespero de um mundo futuro," no qual uma pessoa não procura por quaisquer bens espirituais porque eles parecem-lhe "desgostosos" por causa de seu desejo desenfreado pelos "prazeres carnais." [22]

Na próxima questão, São Tomás especifica os tipos distintos de luxúria. Ele registra que todos seis tipos de luxúria são determinados na base da mulher e não do homem. Sua razão é que no intercurso sexual o homem é ativo e a mulher e passiva, e, assim, visto que ela é a mais afetada, as espécies são determinadas pela sua passividade material. Reiterando que a luxúria obriga "procurar prazer venéreo em desacordo com a reta razão", [23] São Tomás registra que esse desacordo com a reta razão pode ser de dois tipos: o prazer procurado é "inconsistente com o fim" do intercurso sexual, ou o sexo é consumado com a pessoa errada. [24] Devido a essa estipulação que o fim do intercurso sexual é preservar a humanidade, [25] São Tomás declara que a busca pelo prazer venéreo pode violar esse fim de duas maneiras. Um tipo de sexo exige "impedir a geração de crianças" [26] e pertence a todo ato sexual que não pode resultar em geração. Ele chama essa forma de luxúria de "vício contra a natureza" ou "pecados antinaturais." [27] O outro tipo de sexo entre um marido não casado e uma mulher não casada atrapalha "a devida educação e progresso da criança" uma vez nascida e é chamado o vício de "fornicação simples." [28] O que é interessante notar é que São Tomás sente que o fim de preservação da humanidade do intercurso sexual exige não somente procriação física, mas também a educação de uma criança.

A outra forma de luxúria consistindo de sexo com a pessoa errada é dividida de acordo com as pessoas que alguém tem algum relacionamento familiar ou pessoas sob as quais uma mulher está estabelecida. Onde há um relacionamento de "consangüinidade ou afinidade," a luxúria é incesto. Se a mulher está "sob a autoridade de um marido," a luxúria é adultério; se sob o cuidado de um pai e não há violência, o pecado é a luxúria da sedução; e se há violência, o pecado é a luxúria do estupro [29].

Uma especificação mais adiante é feita por São Tomás no caso de sacrilégio, onde o intercurso ocorre com uma mulher que fez um voto a Deus para privar-se de sexo. São Tomás inclui esse caso sob o adultério como um "adultério espiritual" visto que a mulher tinha uma forma de matrimônio com Deus. [30] São Tomás também registra que um marido "que é ardente demais com sua esposa" e que a utiliza indecentemente pode ser considerado adúltero e mesmo mais adúltero do que se comportasse desta maneira com uma mulher que não fosse sua esposa. [31] Sua razão é que, muito embora o marido não seja infiel a sua esposa nesse caso, todavia ele está "rompendo a fidelidade que é devida entre marido e esposa" a propósito de estar com ela se relacionando. [32] Os seis tipos de atos luxuriosos são, então, vícios contra a natureza, fornicação simples, incesto, adultério, sedução e estupro. Embora um argumento possa ser feito por incluir a prostituição sob o adultério, São Tomás coloca a prostituição, que ele também se refere como prostituição e intercurso com prostitutas, [33] na categoria de fornicação simples. [34] Há poucas referências diretas à prostituição no trabalho de São Tomás. [35] Ele registra que a prostituição é suja e contrária á lei de Deus, [36] que é algo ilegal, [37] uma ocupação vergonhosa [38] que é corrupta [39] e proibida pelo sexto mandamento. [40] Mas São Tomás não vai em profundidade concernindo o mal da prostituição exceto na discussão da fornicação simples. O que São Tomás tem a dizer a respeito da fornicação simples aplica-se diretamente à prostituição e como ele vê a moralidade da prática.

Na questão da fornicação simples, São Tomás registra que o Antigo Testamento proíbe consórcio com prostitutas e que uma tal ação deveria ser considerada um pecado mortal e não venial. [41] A ação não é uma ofensa contra Deus que meramente resulta em punição temporal, mas um pecado que resulta na perda do estado de graça da alma e, conseguintemente, um tipo de morte espiritual. O argumento de São Tomás é que "todo pecado cometido diretamente contra a vida humana é um pecado mortal." [42] Fornicação simples, e por implicação a prostituição, "tende a ofender a vida da prole a ser nascida dessa união." [43] Por que isso? Ele registra que a educação da prole entre espécies de animais requer tanto o macho quanto a fêmea em alguns casos, e somente a fêmea em outros casos. Mas para seres humanos, a educação requer ambos pais. São Tomás sustenta que educar uma criança "requer não somente o cuidado da mãe para sua nutrição, mas muito mais cuidado de seus pais como guia e guardião." [44]

O que fornicação e prostituição criam é uma união sexual indiscriminada que não provê cuidado da prole. Esse cuidado da prole é o fim do intercurso sexual em termos de preservação da humanidade. Mas São Tomás também registra que cuidado com a prole é "mais necessário para o bem comum" [45] e assim tem um valor social e político. União indiscriminada resulta em uma perda da contribuição do macho para a educação das crianças. Essa contribuição masculina deve ser sustentada. Ele declara que a "natureza humana rebela-se contra uma união indeterminada dos sexos e reclama por um homem que deveria ser unido a uma determinada mulher e deveria com ela permanecer por um período de tempo ou mesmo pelo resto da vida." [46] São Tomás continua por afirmar que essa união com uma determinada mulher é baseada na lei natural e é "dirigida ao bem comum da humanidade." [47] Portanto, a união dos sexos deveria ser determinada pela lei na forma do matrimônio. Prostituição, que consiste em união indiscriminada dos sexos é, assim, oposta tanto ao bem da educação de uma criança quanto ao matrimônio. [48]

Política Pública rumo à Prostituição

Devido a essa forte condenação à fornicação e à prostituição, pareceria óbvio que São Tomás quereria engajar contra elas toda sua energia, especialmente com a lei civil. Por incrível que pareça, ele não faz isso. Em lugar, ele registra que o Estado deveria permitir a fornicação e a prostituição pela causa do bem comum. Confiando na bem conhecida passagem de Santo Agostinho De ordine, São Tomás defende a tolerância da prostituição registrando que: "Conseqüentemente no governo humano também, aqueles que estão na autoridade toleram corretamente certos males, a fim de que certos bens não sejam perdidos, ou que certos males não sejam incorridos: assim diz Agostinho [De ordine 2.4]: Se você abole prostitutas, o mundo será convulsionado com luxúria.'" [49] Se essas práticas sociais fossem suprimidas, a reação pública poderia ser tal que ameaçaria a paz da sociedade. Lembre que São Tomás já sustenta (1) que a prostituição é uma espécie de luxúria que é um dos vícios capitais que expressam a maior destruição da alma humana e conduz a outros pecados; (2) que é um pecado mortal que ameaça a própria educação das crianças e por extensão ameaça o bem comum da sociedade; e (3) que viola a lei natural e a união matrimonial. Como então poderia alguém tolerar um tal mal, particularmente um pensador da lei natural como São Tomás? Estaria São Tomás se comprometendo com seus princípios ou sendo um utilitário?

Para responder a tais questões requer-se uma consideração do entendimento de São Tomás sobre a função da lei humana na sociedade que encontra-se discutida no "Tratado sobre a Lei" nas questões 90-108, mais particularmente na questão 96 sobre o poder da lei humana. Primeiro de tudo, São Tomás não é um pensador teocrático defendendo uma união dos poderes seculares e eclesiásticos em uma figura religiosa. [50] Embora a lei humana seja fundada na lei natural, elas não são idênticas. Nem é a lei humana uma aplicação da lei divina na vida cotidiana, visto que o propósito da lei humana é a tranqüilidade temporal do Estado, enquanto que o fim da lei divina é a felicidade eterna. [51]

Em segundo lugar, São Tomás faz uma distinção entre atos humanos interiores e exteriores. Atos exteriores são aqueles observáveis um pelo outro, enquanto atos interiores, tais como a intenção e conhecimento, não são diretamente observáveis. A lei humana concerne a ações externas [52] e assim não é capaz de punir ou proibir todas as más ações. [53] Há algumas áreas dos assuntos humanos que a lei humana não pode se dirigir e assim não deveria se intrometer com tais matérias. São Tomás não fica preocupado com essa limitação na lei humana ou civil porque a lei eterna pode dirigir o que a lei humana não pode. [54] Assim, ele registra que a lei humana permite certas coisas ocorrerem na sociedade as quais não se pode controlar. Porém, tal permissão não é equivalente a aprovação de um tal comportamento. [55]

Essa limitação do estatuto civil claramente se aplica à área das virtudes e vícios pessoais. Enquanto a lei civil proíbe certos atos viciosos tais como assassinato e roubo, e requer certos atos de virtude tais como cuidar de uma criança e pagar suas dívidas, não pode "proibir todos atos viciosos" nem pode prescrever "todos atos de virtude." [56] Com exceção do fato que suplantaria a necessidade da lei eterna, por que a lei civil não pode ser decretada para proibir todas as atividades viciosas? O objetivo da lei humana é a tranqüilidade temporal do Estado e não a eterna salvação. Dado esse objetivo da paz temporal e ordem, São Tomás registra que o comando da lei humana é proibir "o que destrua o intercâmbio social" e não "proibir tudo que seja contrário à virtude." [57] A principal razão pela incapacidade da lei civil proibir todos os vícios é que não pode efetuar uma reforma interna completa em um indivíduo. Um indivíduo em sua vida moral pessoal é ferido pelo pecado original e somente pode ser restaurado pela graça de Deus. Portanto, o poder coercitivo e educador da lei humana é ineficaz em seu reino. São Tomás afirma, então, que a lei humana não pode "exigir perfeita virtude do homem, porque tal virtude pertence a poucos e não pode ser encontrada em um tal grande número de pessoas conforme a lei humana deve se dirigir." [58]

Devido a essas limitações do estatuto civil em consideração à virtude e ao vício, São Tomás continua por afirmar que a lei humana permite muitas coisas pecaminosas não punidas e o exemplo que ele usa é a fornicação simples, sob as quais ele incluiu a prostituição. [59] Ele claramente quer incluir a fornicação e a prostituição sob aquelas categorias de vícios que a lei humana não pode controlar e que deve ser deixada para a lei divina ou eterna. Todavia, acaso a prostituição não poderia ser uma daquelas atividades que destrua o intercâmbio social e assim deveria ser proibida pelo estatuto civil? Seu princípio geral, pelo qual o Estado toleraria a prostituição sem aprová-la, é que as leis humanas "deixam certas coisas sem punição por conta do estado daqueles que são imperfeitos, e que seriam privados de muitas vantagens, se tais pecados fossem estritamente proibidos e punidos." [60] O que São Tomás parece sugerir é que o estatuto civil não deveria estabelecer-se demasiadamente como uma sobrecarga moral a seus cidadãos. Na disputada questão sobre o mal, São Tomás vai mais longe em dizer que Deus permite o mal existir e, de uma maneira similar, a lei humana permite algum mal existir na luz do bem comum. [61] Tal tolerância da parte de São Tomás é impressionante devido a suas posições absolutistas em outros tópicos tais como mentir. [62]

Há, então, certas limitações à aplicação da lei em sociedade, de acordo com São Tomás. O estatuto legal não pode punir toda ação errada, mas deveria preferencialmente concentrar-se naqueles atos que ameaçam a ordem social. Na luz dessas limitações, a autoridade pública pode tolerar a existência de certos males morais tomando-os em conta como imperfeições de sua cidadania e outros bens ou males que podem estar em interesse. Porém, uma tal tolerância pela autoridade civil não constitui aprovação do ato mal em questão.

Recomendações Pastorais

Devido a essa tolerância geral à prostituição, São Tomás continua a fazer recomendações específicas. Em uma discussão sobre a caridade, ele forma um número de julgamentos a respeito de transações financeiras concernindo a prostituta, bem como o cliente. Uma questão concerne a ganhos ilegais. Ele declara que a prática da prostituição é suja e contrária à lei de Deus. Porém, ele registra que um lucro da mulher pela prostituição não é ilegal por ela tomar dinheiro, mas porque é conseqüência de algo ilegal. Assim, uma mulher não age injustamente em tomar dinheiro pelos seus serviços. É legal para ela possuí-lo e também dá-lo em caridade, muito embora seja adquirido por uma ação ilegal. [63] Novamente, São Tomás registra que "pagar uma prostituta pela fornicação envolve dinheiro dado por algo ilegal, mas o ato de dá-lo não é ilegal." [64] Ele declara que "ela pode guardá-lo como seu salário" e não é obrigada a devolvê-lo ao cliente. [65] Porém, se ela extorque muito dinheiro de seu cliente, deve restituí-lo. [66]

Em outro contexto, São Tomás declara que dinheiro pode ser adquirido de "ocupações vergonhosas" tais como prostituição e teatro, mas novamente não se obriga alguém a restituir esses dinheiros aos clientes. [67] De forma interessante tanto o ator de teatro e a prostituta são obrigados a pagar dízimo à Igreja sobre seus dinheiros como bens pessoais. Uma estipulação é que a Igreja aceita esses dinheiros somente depois que os indivíduos em questão tenham feito penitência, "a fim de que ela não pareça ter uma porção em seus pecados." [68] Assim, enquanto São Tomás recomenda tolerância social como uma política pública, ele é intransigente na exigência de arrependimento individual. Finalmente, discutindo-se os sete filhos da avareza, São Tomás declara que se pode ser excessivo em lucrar por perseguir proveitos vis em fazer dinheiro fora das atividades más dos outros, tais como a prostituição. Esse julgamento pareceria aplicar-se tanto à prostituição quanto ao cafetão. [69] Alguém poderia naturalmente perguntar por qual motivo entrar em detalhes concernindo a prática que se acha pecaminosa e de má reputação, mas dado o público leitor que São Tomás tinha em mente quando escreveu sua Summa Theologica, pareceria que essas recomendações fossem adequadas em direção ao clero em seus papéis como confessor e pastor. Historicamente, prostituição foi tolerada como um mal necessário por toda a Idade Média ao longo de descrições similares à posição de São Tomás. [70] Alguns mesmo pensavam que a disponibilidade da prostituição protegia a integridade das famílias. [71] A reação da Igreja esteve por procurar a reforma das prostitutas através de missões de resgate e conventos para penitentes. O Papa Inocêncio III elogiou aqueles que casavam com uma prostituta, e Gregório IX encorajou solteirões a casarem com mulheres arrependidas ou que entrassem no convento. [72] Gradualmente, sistemas de regulação local emergiram e algumas cidades tinham bordéis públicos para taxação. [73] O movimento legal para suprimir a prostituição é relativamente recente na história. [74] Não era assim até o fim do século quinze, visto que a opinião social mudou como um resultado de temor concernindo a dispersão da sífilis que destruiu as populações primeiro do sul, depois do norte da Europa. [75] Os movimentos Protestante e de Reforma Católica contribuíram para pressionar o fechamento de bordéis. [76] Mas pelo fim do século dezessete, a supressão da prostituição mudou as preocupações com limpeza e higiene. [77] A Grã-Bretanha não tornou seus bordéis ilegais até o meio do século dezoito, enquanto os Estados Unidos não aboliram legalmente esses infames distritos da luz vermelha até 1912, em conjunção com a aprovação da Lei Mann do Congresso, proibindo o transporte entre Estados de mulheres para propósitos imorais. O que é interessante a respeito da posição de São Tomás sobre a prática da prostituição é o limite que ele põe sobre o estatuto civil para legislar o comportamento. Ele está ciente do papel que a condição moral de uma sociedade toca em conduzir política pública. O estatuto civil pode somente reclamar até onde a moralidade de seus cidadãos possa tolerar. Nisso, São Tomás está mais de acordo com as visões políticas modernas e contemporâneas. Ele é também contrário à lei reclamar um nível de comportamento moral pessoal além do que é necessário para o bem comum e, neste sentido, é oposto a muitas correntes do politicamente correto que existem hoje. Tolerando a prática da prostituição apesar de registrar sua grave pecaminosidade, São Tomás tanto reconhece a condição concreta da humanidade e a necessidade da graça que transcende quaisquer soluções do tecnicismo da política pública. Ele também demonstra um cuidado benevolente para aqueles envolvidos na vida da prostituição por reconhecer seus direitos monetários enquanto ao mesmo tempo estipulasse condições para possível reconciliação com a Igreja. Fazendo isso, São Tomás evita um hipermoralismo por detestar o pecado, mas amar o pecador.



Notas:

[1] Jacques Rossiaud, Medieval Prostitution, trans. Lydia G. Cochrane (New York, 1988), p. 72.

[2] Thomas Aquinas, Summa Theologiae, in Sancti Thomae Aquinatis Opera Omnia, 25 vols. (Roma, 1852-73; repr. New York, 1948-50) [hereafter ST], 2-2.153.1.1: "Voluptates venereas maxime luxuria consideratur."

[3] ST 2-2.153.1.1: "quae maxime et praecipue animum hominis resolvunt."

[4] ST 2-2.153.1.

[5] Aquinas, ST 2-2.153.1 refere-se ao sentido como uma aplicação secundária: "secundario aut dicitur in quibuscumque aliis ad excessum pertinentibus."

[6] ST 2-2.153.2.

[7] ST 2-2.153.2.

[8] ST 2-2.153.2.2: "abundantia delectationis quae est in actu venereo secundum rationem ordinato, non contrariatur medio virtutis." É claro que São Tomás não tem uma visão puritana do sexo.

[9] ST 2-2.153.2.2: "alioquin, quod aliquis se somno tradit, esset contra virtutem."

[10] ST 2-2.153.3.3: "uxori debitum." A dívida marital era uma noção comum mesmo no início dos manuais teológicos do século. Aqui São Tomás claramente evita o anti-sexualismo das heresies primevas.

[11] ST 2-2.153.3.3.

[12] ST 2-2.148.5.

[13] ST 2-2.148.5. Aquinas menciona "delectatio," não "Voluptas," e assim enfatiza uma visão da felicidade não hedonista.

[14] ST 2-2.153.4. Uma outra tradução é "co-naturalidade," que Jacques Maritain enfatiza em seus trabalhos, particularmente em respeito ao conhecimento humano. Veja por exemplo seus “The Degrees of Knowledge”, trans. Bernard Wall e Margot Adamson (New York, 1938), e “The Range of Reason” (New York, 1952).

[15] ST 2-2.153.5.

[16] ST 2-2.153.5.

[17] ST 2-2.153.5.

[18] ST 2-2.153.5.

page 47

[19] ST 2-2.153.5.

[20] ST 2-2.153.5.

[21] ST 2-2.153.5.

[22] ST 2-2.153.5.

[23] ST 2-2.154.1. "Recta ratio" é a idéia operativa na teoria de São Tomás da lei natural.

[24] ST 2-2.154.1.

[25] ST 2-2.153.3: "conservatio humani generis."

[26] ST 2-2.154.1. Isso não incluiria casais casados que são inférteis devido a causas naturais.

[27] ST 2-2.154.1 and ST 1-1.100.11. Essa categoria refere-se não somente a todas as formas de sexo homossexual, mas também a formas heterossexuais de sexo tais como a masturbação, bestialidade e intercurso contraceptivo. Na luz desse texto, é estarrecedor que Rossiaud, Medieval Prostitution, p. 75, alegaria que teólogos daquele tempo, incluindo São Tomás, "em uma tentativa de ajudar os fiéis a evitarem a fornicação, adultério ou outras práticas desdenhosas, apresentava as relações conjugais como lícitas mesmo sem o fim da procriação."

[28] ST 2-2.154.1.

[29] ST 2-2.154.1.

[30] ST 2-2.154.1.3.

[31] ST 2-2.154.8.2. Há limites sexuais mesmo no interior do pacto marital.

[32] ST 2-2.154.8.2. Era uma visão comum entre moralistas daquele tempo que abandonar a vida de alguém aos prazeres do sexo é um pecado mais grave no casamento do que fora dele. Ver Rossiaud, Medieval Prostitution, p. 75.

[33] ST 1-2.100.11.

[34] ST 2-2.154.6.1.

[35] Há um leque de estudos secundários sobre a visão de São Tomás da prostituição exceto por um artigo em espanhol por Gustavo E. Ponferrada, "Santo Tomas y la prostitucion," Sapientia 45 (1990), 225-30. Ver Ruth M. Karras, Common Women: Prostitution and Sexuality in Medieval England (New York, 1995).

[36] ST 2-2.32.7.

[37] ST 2.2.32.7.

[38] ST 2-2.87.2.2.

[39] ST 2-2.154.2. Essa discussão clarifica uma citação enganosa de uma nota em Deuteronômio 23.17 que afirma que a prostituição é pecado "venial", quando em verdade deveria ser lido "venal."

[40] ST 1-2.100.11.

[41] ST 2-2.154.2. Há, porém, o caso difícil de Rahab, a prostitute em Josué 2. Abrigando os espiões de Josué, Rahab mente às autoridades que desejam procurar sua casa. Ela e sua família são recompensadas pelos Israelitas depois da queda de Jericó. Comentaristas das Escrituras, desde Agostinho e Jernônimo até São Tomás de Aquino e Boaventura, até Lutero lutaram para justificar a honra paga a Rahab por duas razões: uma, ela era um prostituta, e dois, ela mentiu para salvar os espiões. Ver Guider, Daughters of Rahab, pp. 19-32.

[42] ST 2-2.154.2.

[43] ST 2-2.154.2.

[44] ST 2-2.154.2. Essa afirmação é interessante na luz dos recentes estudos demonstrando o papel crucial dos pais em construer a auto-estima das crianças na vida mais recente, especialmente entre filhas.

[45] ST 2-2.153.3.

[46] ST 2-2.154.2: "contra naturam hominis."

[47] ST 2-2.154.2.

[48] Para um punhado de discusses atuais sobre a moralidade da prostituição, ver Igor Primoratz, "What's Wrong With Prostitution?," Philosophy 68 (1993), 159-82; Laurie J. Schrage, "Should Feminists Oppose Prostitution?," Ethics 99 (1989), 347-61; e o debate entre Lars Ericsson, "Charges against Prostitution: An Attempt at a Philosophical Assessment," Ethics 90 (1980), 335-66, e Carole Pateman, "Defending Prostitution: Charges against Ericsson," Ethics 93 (1983), 561-65. Oddly, Primoratz atribui a visão que sexo é "intrinsicamente inferior, pecaminoso e vergonhoso" (p. 167) a São Tomás, mas sem qualquer referência de sustentação.

[49] ST 2-2.10.11. Guider, Daughters of Rahab, pp. 15-16, acredita que na base dessa passagem, São Tomás sustentou que a prostituição era "um mal menor" e que, de acordo com Agostinho, era "um mal necessário." Essas afirmativas precisam ser qualificadas. São Tomás rejeita o princípio do menor de dois males. Sem levar em consideração se o mal é menor ou maior, nenhum mal moral pode ser intencionalmente desejado. Assim, a tolerância social do mal que São Tomás defende não é uma escolha do mal, mas tolerar sua existência a fim de evitar a perda de um bem ou causar um outro mal. Na passagem de De ordine, Agostinho está lutando para confirmar a ordem providencial de Deus no mundo quando encarado com certos males, tais como a prostituição. Dado esse contexto, Agostinho sustenta que a existência da prostituição é melhor do que sua ausência que livraria luxúrias e dano maior: "O que pode ser mencionado mais sórdido, mais despojado de decência ou mais cheio de torpitude do que prostitutas, proxenetas e outras pestes de tal sorte? Remova as prostitutas dos negócios humanos, e você deslocará tudo para a conta das luxúrias." Categorizar esse escrito como "mal necessário" parece inserir uma forma de fatalismo na visão de Agostinho que impediria esforços para desencorajar a prostituição ou mesmo condená-la. Visto que em Contra Faustum 2.61, ele registra que a lei divina e eterna a condena.

[50] Em consideração à prostituição, o papado esteve em divergências com as autoridades civis quando falava contra a irrazoável procura pelos empregados da corte procurando por adúlteros e concubinas nas casas municipais. O Papa Paulo II decretou que a procura desse tipo fosse conduzida em condição de uma requisição escrita formal. Ver Rossiaud, Medieval Prostitution, p. 61.

[50] ST 1-2.98.1: "Legis enim humanae finis est temporalis tranquillitas civitatis. . . . Finis autem ligis divinae est perducere hominem ad finem felicitatis

page 49

aeternae."

[51] ST 1-2.98.1.

[52] ST 1-2.91.4: "lex humana non potest omnia quae male fiunt, punire vel prohibere."

[53] ST 1-2.93.3.3.

[54] ST 1-2.93.3.3: "lex humana dicitur aliqua permittere, non quasi ea approbans, sed quasi ea dirigere non potens."

[55] ST 1-2.96.3.1.

[56] ST 2-2.77.1.1: "lex humana non potuit prohibere quidquid est contra virtutem, sed ei sufficit ut prohibeat ea quae destruunt hominum convictum." Compare Aquinas com isso: "O objetivo do sistema de justice criminal não é impor padrões públicos de moralidade sobre os atos privados de adultos consentidos, embora eles possam ser imorais, pelos extensamente acreditados padrões sociais, mas especialmente proteger as pessoas e propriedade de danosos efeitos dos outros" (Richard Symanski, The Immoral Landscape: Female Prostitution in Western Societies [Toronto, 1981], p. 228).

[57] ST 2-2.69.2.1.

[58] ST 2-2.69.2.1: "multa secundum leges humanas impunita relinquuntur quae secundum divinum iudicium sunt peccata, sicut patet in simplici fornicatione."

[59] ST 2-2.78.1.3.

[60] Aquinas, Quaestiones disputatae de malo 13.4.6. Esse é o mesmo argumento que São Tomás emprega em ST 2-2.10.11, citado acima.

[61] Ver ST 2-2.110.3 "Será que toda mentira é um pecado?" onde São Tomás baseia sua posição em Aristóteles (Ética 4.7) e Agostinho (Contra mend. 1). Enquanto Agostinho descreve oito tipos de mentiras, em ST 2-2.110.2 São Tomás distingue entre três tipos de mentiras: mentiras oficiosas que ajudam ou salvam uma pessoa de dano, enfatizando inutilidade; mentiras jocosas, significando piadas, que são mentiras que focalizam um prazer; e mentiras malignas ou perniciosas que injuriam alguém. São Tomás afirma que todo tipo de mentiras, incluindo piadas, são pecaminosas e erradas.

[62] ST 2-2.32.7.

[63] ST 2-2.62.5.2. São Tomás registra dois casos de presentes ilegais. Em simonia, tanto dar e receber dinheiro é ilegal, assim nenhuma restituição é requerida nem pode o recebedor reter o pagamento. Porém, no caso da prostituição, o presente não é ilegal, embora o dinheiro seja dado por um propósito ilegal. Conseguintemente, o pagamento pode ser retido.

[64] ST 2-2.62.5.2.

[65] ST 2-2.62.5.2.

[66] ST 2-2.87.2.2.

[67] ST 2-2.87.2.2. Naquele tempo membros de grupos de teatro viajantes comumente engajavam-se em atividades imorais e assim mereceram uma reputação como parias sociais. Em verdade, performances teatrais, banidos por Felipe Augusto e Luís IX, não atingiram status legal na França até o tempo de Carlos VI em 1602. Ver Paul Lacroix, History of Prostitution, trans. Samuel Putnam (New York, 1931), pp. 1418-19.

[68] ST 2-2.118.8.4.

[69] Rossiaud, Medieval Prostitution, p. 72. Para uma exaustiva mas um tanto antiquada lista de trabalhos sobre prostituição, ver Vern Bullough and Barrett Elcano, ed., A Bibliography of Prostitution (New York, 1977).

[70] De acordo com Rossiaud, um mercador de Lyon chamado Francois Garin, por volta de 1460, compôs uma obra em verso sugerindo que "bordéis e as casas de banho entraram em próprio funcionamento com a ordem social e familiar. Pela sua própria lascívia, as prostitutas satisfaziam os impulsos do corpo; eles tornaram múltiplas e transitórias uniões possíveis; tornando o amor banal, elas salvaram os jovens de tolices sensuais e do conflito com seus pais": Rossiaud, Medieval Prostitution, p. 108.

[71] O Rei Luís IX é descrito por um estudioso como "condutor de uma cruel batalha contra a prostituição" por expulsar todas as prostitutas das cidades e confisar sua propriedade. Mas ele também fundou um convento em Paris para prostitutas penitents em 1226 com uma pensão anual que "era uma considerável soma para aquele tempo" (Bronislaw Geremek, The Margins of Society in Late Medieval Paris, trans. Jean Birrell [New York, 1987], p. 212). Pelos séculos quatorze e quinze, a política pública de eliminar a prostituição desapareceu.

[73] Rossiaud, Medieval Prostitution, p. 59, registra que "Foi entre 1350 e 1450 que as cidades institucionalizaram a prostituição, fundado um prostíbulo público quando a cidade já não tinha um."

[74] Para uma discussão extensive sobre o controle, legalização e descriminalização da prostituição, ver John F. Decker, Prostitution: Regulation and Control (Littleton, 1979).

[75] Para uma descrição das destruições de sífilis e primeiras tentativas rumo ao tratamento na França, ver William Sanger, The History of Prostitution (New York, 1937), pp. 135-139.

[76] Um exemplo é o uso da linguagem para descrever a prostituição. George Ryley Scott, A History of Prostitution: From Antiquity to the Present (London, 1954), p. 80, registra que com o advento da Reforma, o uso dos nomes eufemísticos para prostitutas reemergiu no Ocidente.

[77] A tolerância da prostituião na França transferiu-se a para interesess coloniais. Para um estudo de como a prostituição foi importada para sociedades que não a praticavam, tais como na Polinésia, ver Fernando Henriques, Prostitution and Societ

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