segunda-feira, 23 de abril de 2018

I am Michael e Michael Lost and Found - Comentário

Recentemente assisti as produções “I am Michael” (2015) e “Michael Last and Found” (2017), a primeira se trata de um longa sobre a vida de Michael Glatze, ex- ativista gay, atualmente ativista cristão ex-gay, e a segunda é um curto documentário que visa dar alguma continuidade ao filme, respondendo a curiosidade de muitos sobre como Glatze estaria atualmente.

Por ter maior visibilidade e distribuição, darei maior atenção à primeira produção.
Não só no elenco (James Franco, Zachary Quinto e Emma Roberts), mas também na direção (Justin Kelly) fica evidente se tratar de pessoas envolvidas em outras produções pró-LGBT. Os evolvidos evidenciam também não se tratar de um filme cristão, apesar do estilo “filme gospel” ser uma crescente.

Bastaria ver o elenco e direção para dispensar o filme sem o menor esforço, mas conheço o trabalho de Michael Glatze e mesmo não concordando 100%, não posso negar seu impacto e importância que teve na vida de inúmeras pessoas no aspecto da atração pelo mesmo sexo e religião cristã. Então, isso fez pesar a minha curiosidade em ver no que daria essa mistura entre um trabalho de conversão sexual e ativismo pró-LGBT dos envolvidos.

Era uma tragédia anunciada, mas eu me segurei ao fio de esperança, afinal de contas estávamos falando de Michael Glatze e ele não jogaria sua história no lixo de tal forma. Ou jogaria?

O filme se concentra a maior parte do tempo no período da vida em que Glatze foi ativista pró-LGBT, no intuito de o tornar impróprio para o ambiente cristão. Não imagino pastores exibindo o filme em seus salões com reuniões de jovens, pois o mesmo está recheado de cenas inapropriadas até para os ditos “cristãos liberais”. Julgo ser proposital, pois além de não ser o fato mais interessante na biografia, pois ativistas temos aos milhares, certamente a maioria das pessoas possuem uma ideia bem realista do que é ser um ativista gay residente em São Francisco, EUA.

Primeiro ponto esclarecido: Se trata de uma produção pró-LGBT feita para gays. Minha intuição estava certa, mas mesmo assim o nome “Michael Glatze” estava em jogo e minha esperança de conter algo benéfico no filme ainda ecoava dentro de mim.

Em seguida, com um espaço e divulgação menor, o filme passa a tratar do que deveria ser o seu ápice, mas vira uma questão secundária: a conversão sexual.

Nisso, me sinto obrigado a ressaltar a fidelidade do filme em tratar o assunto como “conversão sexual” e não como “terapia reparativa”. Há uma grande diferença entre o homossexual egodistônico que passa por uma conversão religiosa e com isso passa a negar a atração pelo mesmo sexo e o homossexual egodistônico que mesmo por motivação religiosa, trilha um caminho terapêutico.

Apesar do filme não fazer a menor distinção disso, aliás, creio que os envolvidos nem se deram ao trabalho de uma pesquisa de campo, visto se tratar de uma biografia, então não tinham a menor noção da enorme diferença existente. Porém, o filme foi justo em tratar o assunto sobre o aspecto religioso protestante e não sobre o aspecto terapêutico.

Como se era esperado, Michael se converte, abandona o estilo de vida homossexual, as pessoas ligadas a isso e passa a fazer parte de uma pequena comunidade religiosa protestante local. Antes disso houve uma passagem pelo budismo, mas sem a menor relevância ao tema.

Temos aqui um ponto interessante que é quando um homossexual assumido coloca os seus pés num ambiente cristão e decide ficar por lá.

É mais simples aos líderes e até mesmo a comunidade, enquanto instituição, lidar com a questão “atração pelo mesmo sexo” quando ela não é pública. Mas quando pública, como conciliar que ali há um homossexual, que é alvo de misericórdia, mas ao mesmo tempo trás consigo uma bagagem sexual imoral?

Michael Glatze foi o grande precursor desse paradoxo – um homossexual pisou em nosso “solo sagrado”. Por isso sua história merece ser contada, mas nem de longe é o único...

A comunidade cristã, sobretudo a protestante não sabe lidar com essas pessoas, então “ex-gay” passou a ser um título de inclusão. O filme não poupa esforços em demonstrar isso. Porém, o faz de uma forma equivocada e pejorativa.

Mas de fato é a realidade. Por não saber lidar com a inclusão, existe a conversão sexual instantânea e por não saber lidar com o termo “gay”, coloca-se um “ex” antes dele e tudo está resolvido.

Pior do que isso, se estivéssemos falando apenas de uma forma de aceitação e inclusão em ambientes religiosos, a situação seria menos preocupante. Mas como demonstra no filme, não se cria apenas um “ex-gay”, mas se cria um herói. E nisso mora o perigo.

Pessoas com atração pelo mesmo sexo que desejam se livrar de tais atrações tendem a buscar como referências pessoas que passaram por tal situação, esperando assim obter um pouco da sabedoria adquirida pela experiência. Em teoria, não me oponho, mas há algumas questões que precisam ser levadas em consideração.

Diferente dos EUA e da época em que Glatze começou seu serviço pastoral, não temos no Brasil divulgação e nem atuação em terapia reparativa, o que praticamente fazem dos “ex-gays” tupiniquins quase “Doutores em Homossexualidade Egodistônica” e “Super-Heróis Imaculados”. Mas a realidade está muito distante disso.

Vale lembrar que “Ex-gay” é fruto de conversão religiosa, quantos casos não temos de “ex-gays” que abandonaram a religião e com ela deixaram também seu título heroico?

Ao se referir às pessoas que carregam tais títulos há de se analisar se estamos falando apenas de uma conversão religiosa, ou se posteriormente a isso temos uma jornada terapêutica. Um claro exemplo disso é a jornada de Michael Glatze. Onde temos uma jornada de cunho religioso com pouca ênfase terapêutica. Evidentemente que isso não desmerece em nada Glatze, mas não podemos usar o milagre enquanto exemplo, mas podemos usar a terapia enquanto abrangência e eficácia comum.

O filme faz um desserviço ao protestantismo ao mostrar que a comunidade precisa disso, a comunidade precisa que existam ex-gays, pois é a única forma em que ela sabe lidar com pessoas com atração pelo mesmo sexo.

Cito em particular o protestantismo, pois o filme é ambientado no mesmo. O protestantismo basicamente vive de testemunhos pessoais como prova de milagres, não por menos o título “ex-gay” nasceu em seu seio e ali é encontrado de forma mais expressiva. O “ex-gay” é uma necessidade protestante e não católica. Há católicos que ostentam o mesmo título de “ex-gay”, mas se pode observar que foram desenvolvidos em ambientes mais progressistas e muito próximos do protestantismo, igualmente visando aceitação. Mas de fato, na igreja católica o processo de conversão e misericórdia não passa necessariamente por uma conversão sexual, mas por uma conversão ascética que produz frutos na vida como um todo, incluso a sexualidade.

O filme faz um desserviço aos homossexuais egodistônicos, pois o que realmente importa, que seriam os conflitos internos de Glatze e sua evolução, foi omitido.

Omissão que julgo ser proposital, pois é a omissão que abre as portas ao documentário Michael Lost and Found (2017), em que anos depois, após a curiosidade se a decisão e o casamento heterossexual de Michael seriam duradouros (é apresentado no final do filme que seu processo de evolução poderia não ser constante). O documentário de aproximadamente 20 minutos tenta mostrar um Michael Glatze “fraco, confuso e doente mental”, como dito em entrevistas sobre o mesmo.

Em suma: “O que mais poderíamos esperar?”

Seria demais esperar que uma produção com tais envolvidos apresentasse um Michael Glatze real, aquele que lidou com seus dilemas sem ter grandes recursos para o mesmo e praticamente teve que trilhar o próprio caminho rumo ao que não conhecia – coisa que uma pessoa confusa e sem fortes convicções não faria.

Seria demais esperar que a produção mostrasse um Michael Glatze que antes de sair fazendo pronunciamentos contrários a homossexualidade tenha feito auto-análise e descoberto efeitos prejudiciais em si – coisa que uma pessoa fraca não faria, pois o fraco tende a buscar sempre o caminho mais fácil.

Seria demais esperar que a produção mostrasse que Glatze descobriu por conta própria que muito daquilo que ele buscava em outros rapazes era o que sentia falta em si e que o caminho para isso seria o amor próprio. Assim como descobriu através de autoconhecimento que a pessoa precisa de um amor que seja maior do que ela mesma, senão tudo seria vaidade e que isso só seria possível em Deus – conclusão que um lunático jamais chegaria sozinho.

Seria demais esperar que a produção mostrasse frutos positivos não apenas na sua vida e da sua esposa, mas na de tantas outras pessoas. Seria demais esperar a verdade e não apenas fatos isolados mostrado de uma forma tendenciosa.

Gostaria de encerrar com um trecho do próprio Michael Glatze, o verdadeiro ao contar sua história:

Ser curado do pecado e da ignorância é sempre possível, mas a primeira coisa que alguém deve fazer é sair das mentalidades que dividem e conquistam nossa essência humana.
Dá para se achar a verdade sexual, contanto que estejamos dispostos e motivados a aceitar que a sociedade em que vivemos permite condutas que prejudicam a vida.
Não se deve deixar que o sentimento de culpa seja desculpa para evitar as perguntas difíceis.
Tenho experiência própria. Conheço a verdade.
Deus nos deu a verdade por um motivo.
A verdade existe para que possamos ser nós mesmos.
Existe para que possamos ter parte na nossa própria personalidade individual no mundo, para aperfeiçoar o mundo. Isso não é trama irreal ou ideal estranho — isso é a Verdade.
A nossa cura dos pecados do mundo não acontecerá num instante. Mas acontecerá — se não deixarmos que o orgulho a bloqueie. E, caso você não saiba, no final quem vence é Deus.


João Css.

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